Por que os farelos de pão pesam tanto?


Você me perguntou se está tudo bem. Com aquele tom casual usado para começar conversas, como se me cumprimentasse no meio da rua. E, por mais que eu saiba a casualidade da sua pergunta, minha cabeça viaja; ela navega até os meus problemas pessoais que nada tem a ver com você, de lá, dá uma passeada pela nossa relação conturbada e pelas muitas situações que tive que aceitar a contra gosto e termina em mim, em mim e no meu interior em farelinhos de pão que, de tão esfarelados, não deixam rastros para alguém me salvar.

Respondo com o mesmo tom de casualidade e com a mesma leveza de espírito que eu deveria ter - mas não tenho - que sim, estou ótima. Quando devolvo a pergunta, meu inconsciente se volta para mim e me pergunta se sua mente viaja tanto quanto a minha; a contar pela sua reposta imediata, sem o segundo de hesitação que um mente perturbada exige para elaborar cada resposta, você está leve como uma pluma, leve como os farelinhos de pão em que me encontro.

Você sempre foi assim e eu sempre amei o fato. A verdade é que por mais que desejasse um cara intenso, que chorasse, gritasse, brigasse e tivesse crises existenciais, eu sempre soube que esse desejo era um engano. Deixa que eu choro por nós, deixa que eu grito com você, deixa que eu brigo sozinha e não me deixe sozinha nas minhas crises existenciais. "Tu és muito visceral", me dizia, "isso ainda te mata". Matou. Morri.

E olha a loucura da vida. Morri e nem percebi. Morri e perdi a melhor parte de morrer. Continuo me doendo, continuo sofrendo, continuo pensando demais. E o descanso eterno, cadê? 
"Tá vendo? É sempre isso que tu fazes. Tudo é problema, tudo é tempestade. Se joguei o lixo seletivo na lata do orgânico, já vens com crises." Você me diria se estivesse aqui lendo esse texto ao mesmo tempo em que o escrevo. Mas o tom não seria bravo, você estreitaria os olhos, daquele jeito brabo engraçado e nos abraçaríamos. Eu sei que você ama minha visceralidade, assim como amo tua leveza.

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